1- Maricá
Como citado anteriormente, Maricá
possuía a sua economia voltada à produção de alimentos destinados ao
abastecimento das cidades do Rio de Janeiro e Niterói. Mas as dificuldades no
transporte dessas mercadorias só foram solucionadas com a construção da Estrada
de Ferro. A partir daí, uma série de reflexos decorrentes da inauguração da
ferrovia em 1887 puderam ser observados em Maricá. O primeiro deles foi a elevação
da vila de Maricá a condição de cidade em 7 de dezembro de 1889. Posteriormente,
muitas outras melhorias ainda estavam por vir.
“Só com a permanente
ligação ferroviária é que esta zona poderia receber um surto renovador de
idéias e iniciativas imigradas. Foi o que se deu com a Estrada de Ferro Maricá,
[...] Atualmente Maricá progride. Em seu núcleo urbano elevam-se construções
modernas em bons arruamentos.” (LAMEGO, 1946, p.143)
O Senhor Elson Souza e Silva, que reside na antiga casa da família
localizada em frente à estação de Maricá lembra que sua família doou parte da
propriedade para a construção da estação e que as viagens de trem para Niterói
duravam cerca de cinco horas. As viagens de ônibus também não eram muito
diferentes, já que as estradas eram de terra e os ônibus trafegavam em baixa
velocidade, necessitando parar para esfriar o motor após a subida de trechos
muito íngremes. Quando chovia a situação se agravava, pois era necessário
colocar correntes nas rodas, já que as estradas ficavam com muita lama.
Portanto, apesar dos constantes transtornos existentes no tráfego de trens
durante todo o seu período de funcionamento, decorrente de atrasos, acidentes,
e alguns períodos de suspensão de tráfego, o trem resultava no meio de
transporte mais eficiente da cidade de Maricá que desfrutava de um enorme
desenvolvimento proporcionado pela ferrovia.
Os núcleos urbanos nos arredores das estações se expandiram e novas ruas
foram abertas. No entorno da estação inaugurada em 1894 no centro da cidade de
Maricá surgiram diversos estabelecimentos comerciais. Heloisa Helena Rodrigues
Rangel é uma antiga moradora do centro da cidade de Maricá e cita alguns dos
estabelecimentos comerciais que existiam próximo a estação, entre eles, estavam
armazéns, bares, restaurantes, padarias, farmácia, barbeiro, quitanda,
serraria, sapataria, loja de roupas, loja de materiais de construção, cartório
e uma agencia bancária.
Na própria plataforma da estação, também existiam comerciantes. Entre
eles estava o Senhor Bruno, que vendia tecidos, bolsas, sapatos, carteiras, cintos,
entre outros, segundo conta Heloisa, que também aproveitava a parada do trem
para vender os doces e frutas colhidas na chácara de seu avô, Carlos Alberto de
Abreu Rangel, as margens da estrada de ferro.
Entre as várias mercadorias que embarcavam na estação de Maricá com
destino a Niterói, destacam-se o pescado, abundante na região, galinhas,
banana, cana-de-açúcar, melado, leite e seus derivados e farinha de mandioca. A
tabela a seguir demonstra o incremento no número de passageiros e mercadorias
transportadas pela Estrada de Ferro Maricá entre os anos de 1919 e 1920, em seu
trecho estadual ligando Maricá à Niterói.
Tabela : Volume transportado no trecho estadual da
EFM
Ano
|
Passageiros
|
Cargas
(Kg)
|
1919
|
87.935
|
31.850.000
|
1920
|
93.044
|
33.631.202
|
Fonte: RIO DE JANEIRO. op. cit.
Antigas chácaras, sítios e fazendas foram dando lugar a novas moradias. A
facilidade de acesso promovida pela ferrovia, atraiu novos moradores, turistas
e veranistas. A especulação imobiliária se intensificou a partir de 1940,
transformando terras agrícolas em loteamentos. O município de Maricá começou a
se transformar, de rural, para urbano. O principal fluxo de pessoas, vinha do
Rio de Janeiro, que se encontrava em constante expansão, impulsionada pela
indústria.[1]
Não foi apenas a região central da cidade de Maricá que se desenvolveu.
Em Inoã e em São José de Imbassaí, onde também havia estações de mesmo nome, os
núcleos urbanos se desenvolveram e passaram a servir como suporte às fazendas
da região, fornecendo alimentos através de seus armazéns e mão-de-obra daqueles
que ali residiam. Morador de Inoã, João Quintanilha, lembra saudosista das
viagens que fazia nos trens da EFM. Recorda que os trens possuíam dois vagões
de primeira classe e dois de segunda classe que ficavam sempre mais próximos à
locomotiva. Quando viajava nos carros de segunda classe era comum sentir em
determinado momento fragmentos de carvão em brasa, que saiam da locomotiva,
queimar a pele.
Em alguns trechos o trem conseguia desenvolver velocidades de cerca de 70
km/h. Mas quando era reabastecido com água, demorava a retomar o embalo, a
ponto de uma pessoa andando ao lado conseguir ultrapassa-lo. Os agentes estavam
sempre bem uniformizados, e eram constantemente comparados a generais. O agente
de estação vendia os bilhetes e usava o telégrafo para avisar a estação
seguinte que o trem estava seguindo para lá. Outro funcionário muito lembrado era
o “guarda-chaves”. Ele era responsável por operar os desvios, para que um trem
pudesse cruzar com outro em segurança, já que havia apenas uma linha. Em Inoã,
quando era necessário que dois trens se cruzassem, um deveria entrar em um
desvio, lá existente, para que o outro passasse. Também em Inoã, havia duas
fábricas de tijolos que movimentavam a região, desenvolvendo ainda mais o
comércio e contribuindo para aumentar o número de residências nos arredores da
estação.
A concentração populacional próximo às estações, se dava não só pelo fato
de estar próximo do principal meio de transporte da época, mas também pelos
benefícios que a ferrovia oferecia. Entre eles, destaca-se o fornecimento de
alimentos que eram trazidos pelo trem para os armazéns da região, a
distribuição de água potável gratuitamente para os moradores carentes e a
oportunidade de vender produtos aos passageiros. A existência da ferrovia
estava tão intimamente ligada ao cotidiano dos moradores, que durante o
carnaval os blocos desfilavam sobre a linha do trem.
Segundo Geraldo Bezerra de Lima, morador de Inoã, o Exército Brasileiro
também utilizava o trem para realizar pesquisas e incursões na região. Afinal,
a existência da Estrada de Ferro Maricá também era estratégica do ponto de
vista militar, devido ao seu trajeto ao longo do litoral.
Em Manoel Ribeiro, onde foi inaugurada uma estação em 1901, localizava-se
uma das principais fazendas de Maricá, empregando um enorme contingente de
pessoas e desenvolvendo um pequeno núcleo urbano. Nesta localidade era produzida
uma grande quantidade de laranja transportada pela ferrovia. A Senhora Maria da
Glória Costa, moradora do local, ainda recorda do intenso movimento na estação,
principalmente por volta do meio-dia, quando os trens se cruzavam naquela
localidade, um vindo de Cabo-Frio em direção a Niterói, e outro no sentido
contrário. Segundo a moradora, o armazém estava sempre lotado, mal se conseguia
andar lá dentro, pois todos os moradores da região se dirigiam para lá, para
comprar as mercadorias que eram trazidas pelo trem. Dali também partia todas as
manhãs o “rondante”, funcionário encarregado de verificar danos na via que
pudessem causar acidentes, para tanto, ele percorria a pé a linha até Nilo
Peçanha, onde outro funcionário se encarregava de fazer o mesmo daquele ponto
em diante.
Isabel Bastos Sardinha também foi moradora de Manoel Ribeiro e recorda de
sua irmã que tinha muito medo do trem, e certa vez, quando levava uma galinha
debaixo do braço e viu o trem se aproximando, largou a galinha e saiu correndo.
De certa forma para pessoas acostumadas a viver toda uma vida em um lugar
pacato, ouvindo sons de pássaros, e utilizando como único meio de transporte o
cavalo, ver chegar um imenso “monstro” de ferro, “cuspindo” fumaça, emanando
intenso calor e soando seu apito, deveria realmente ser muito impactante,
talvez até assustador.
Para as crianças, o significado do trem era outro. As viagens de trem
eram um dos grandes entretenimentos da época e o simples fato de ver o trem
passar, já significava motivo de alegria para todas. Eloísa Rangel Rodrigues,
recorda de estar junto com outros alunos do grupo escolar Elisário Mata, onde
estudava, aguardando em frente a estação de Maricá a passagem do trem com o
presidente Getúlio Vargas rumo a inauguração da estação Cabo Frio em 1937.
Gilmar Monteiro e seus amigos de infância, também gostavam de brincar com
o “tróler”[2],
veiculo usado para manutenção, que às vezes se encontrava parado em algum
desvio no caminho de volta da escola. Eles subiam no “tróler”, empurravam, e
muitas vezes sem conseguir pará-lo, precisavam saltar e acabavam caindo em
pântanos, comuns ao longo da linha. Depois, cabia aos funcionários procurarem
onde estaria o “tróler”. As brincadeiras e travessuras das crianças da época
estão marcadas na lembrança dos adultos de hoje, que as recordam com saudade.
Outra grande utilidade da ferrovia era o transporte de pessoas para as
festas de Nossa Senhora do Amparo que aconteciam em Maricá. Muitos moradores de
São Gonçalo embarcavam nos trens da EFM em trajes impecáveis de festa, a
passagem era barata, mas as viagens eram demoradas. O trem estava sempre cheio
e os passageiros que embarcavam pela manhã, em São Gonçalo, com suas roupas
impecáveis, chegavam apenas à tarde em Maricá e sujos devido à fuligem produzida
pela queima do carvão. Para evitar essa situação alguns passageiros utilizavam
uma espécie de avental chamado de “guarda-pó”.[3]
A ferrovia também empregava um expressivo número de trabalhadores. As
funções mais comuns eram as de Agente de estação, Maquinista, Foguista[4] e
trabalhadores de via permanente. A maior parte dos familiares de Lenita
Carvalho, atual moradora de Itapeba, trabalhou na ferrovia. Seu marido era um
dos que trabalhava em via permanente, substituindo trilhos e dormentes. Ela recorda
que havia uma cooperativa de funcionários que vendia diversos produtos a preços
abaixo do mercado, o que proporcionava grande fartura de alimentos a toda a
família.
2- Saquarema
O primeiro núcleo populacional de Saquarema data de 1660. Sua população
sempre esteve muito ligada à pesca, abundante na região. O primeiro surto de
desenvolvimento da cidade aconteceu com o plantio de café no século XIX, mas
após seu declínio, a economia se voltou novamente à pesca e a agricultura de
subsistência, além da produção de alguns gêneros alimentícios destinados ao
abastecimento do Rio de Janeiro e Niterói.[5]
Além da produção agrícola, a indústria açucareira colaborou para
incrementar a economia da cidade durante todo o período em que a Estrada de
Ferro Maricá funcionou. Isso porque, em Sampaio Correia, distrito de Saquarema,
estava instalada a usina Santa Luiza, a maior usina de cana-de-açúcar da Região
dos Lagos e a segunda maior do Estado do Rio de Janeiro, atrás apenas de uma,
localizada em Campos. Como já foi citado anteriormente, José Matoso Sampaio
Correa, dono da usina, arrendou a ferrovia em 1901, que até então ainda não
chegava à usina, e ficou encarregado de construir o prolongamento da linha até
Araruama. No entanto, ele não conseguiu realizar a obra, e perdeu a concessão
da Estrada de Ferro Maricá em 1913.
A estação de Sampaio Correia foi inaugurada em primeiro de maio de 1913,
graças à outra companhia concessionária, e se localizava junto à usina, atendendo
sua demanda de transporte, e a cerca de 800 metros do principal núcleo
populacional da região. A usina também construiu sua própria ferrovia para
transportar a cana das plantações para a usina.[6]
A estrada de ferro não atravessava o centro da cidade de Saquarema, pois
quando foi prolongada, seu principal objetivo era atingir a Lagoa de Araruama,
onde toneladas de sal aguardavam pelo transporte ferroviário. Com isso, não
foram constatados grandes reflexos da ferrovia no centro dessa cidade. No
entanto, havia em Bacaxá, distrito de Saquarema distante cerca de 8 quilômetros
do centro, uma estação de mesmo nome, que deu origem ao que, até hoje, é
considerado como principal centro comercial do município.
Geni Macedo Novaes é, atualmente, moradora de Bacaxá, mas quando adolescente
morava em Niterói e embarcava no trem às sete horas da manhã, chegando em
Bacaxá somente às 17 horas com sua tia, para visitar parentes. Ela conta que
gostava de viajar nos trens da EFM, pois sempre em algum vagão, havia
passageiros com cavaquinho, violão, pandeiro, sanfona, entre outros
instrumentos musicais, e as pessoas cantavam e dançavam, animando a longa
viagem.
As principais mercadorias que embarcavam na estação Bacaxá eram: limão,
galinhas, bois e porcos, procedentes das muitas fazendas que existiam na
região. Os moradores de Saquarema utilizavam o trem para ir a Niterói ou então
de lá, chegar ao Rio de Janeiro através das barcas, os que moravam próximo à
estação aproveitavam a parada do trem para vender cocada, bolo de milho e arroz
doce. No período em que eram realizadas as festas de Nossa Senhora de Nazaré e
Santo Antônio, as duas principais igrejas da cidade, os trens vinham lotados de
fiéis que desembarcavam em Bacaxá.
Quando a ferrovia foi desativada, Geni recorda que seu pai, influente
político na cidade, conseguiu que o sino usado na estação para avisar a chegada
do trem fosse instalado na igreja de Santo Antônio que ficava próximo a estação
de Bacaxá. Além do sino, nada mais foi preservado, os trilhos foram retirados e
a estação demolida.
3- Araruama
O primeiro núcleo populacional de
Araruama surgiu a partir de um pouso de tropas, as margens da lagoa de Araruama.
A cidade se desenvolveu no século XIX com o plantio de café, que era
transportado através de seu porto. Com o declínio das plantações de café, a
população passou a se dedicar mais a agricultura de subsistência, a pesca, e a
extração de sal da Lagoa de Araruama.[7]
Foi o sal que proporcionou maior desenvolvimento
econômico para o município. Na localidade de Ponte dos Leite[8],
distrito de Araruama, se instalaram algumas indústrias para o beneficiamento do
sal e moagem de conchas, além da fabricação de cal, gesso e barrilha[9].
Com a inauguração do prolongamento da Estrada de Ferro Maricá e da estação em
Ponte dos Leite em 1914[10]
as atividades industriais se intensificaram e o núcleo populacional aumentou. Segundo
moradores, Ponte dos Leite possuía atividades comerciais mais intensas do que o
próprio centro da cidade de Araruama.
Helena de Oliveira é moradora de
Ponte dos Leite e recorda da intensa movimentação de pessoas existente na época
em que a ferrovia existia. Havia armazém, farmácia, padaria, quitanda, açougue,
cinema, clube de dança e as festas da igreja de Nossa Senhora do Rosário,
sempre muito animadas, atraiam grande público. O armazém vendia de tudo um
pouco, funcionando como principal fonte de abastecimento da região, e fazendo
com que inúmeras pessoas se deslocassem de outras localidades em busca de suas
mercadorias. O movimento ferroviário associado à produção das indústrias
promovia grande agitação econômica, garantindo renda aos moradores da região.
Aqueles que não estavam diretamente envolvidos nessas atividades aproveitavam
para vender frutas, doces e refeições para os trabalhadores, ou seja,
diretamente ou indiretamente todos estavam envolvidos na atividade de extração
de sal, o que proporcionava grande fonte de renda para os moradores.
Osvaldo Francisco Marinho trabalhou
carregando os vagões da ferrovia com sal, barrilha, cal e gesso. Ele lembra que
naquela época sempre havia oportunidades de trabalho e ganhava-se muito
dinheiro. A senhora Melentina, filha do guarda-chaves da estação de Ponte dos
Leite, ainda mora no bairro e lembra que passava um trem para Niterói às 9:00 e
outro para Cabo Frio as 16:00. Seu marido era funcionário da ferrovia e
participou da macabra operação de retirada dos trilhos. Quando a ferrovia foi
desativada na década de 1960, as indústrias também encerraram suas atividades.
Sem possuir um meio de transporte eficiente e com a crescente concorrência do
sal vindo do nordeste, as indústrias fecharam as portas, deixando muitos
desempregados.
No centro da cidade de Araruama,
também existia uma estação. O trem transportava mercadorias e passageiros para
a cidade e também era responsável pelo abastecimento de água, trazida em seus
vagões. Neli Veiga Jardim era casada com o agente da estação de Araruama, Aníbal
Vicente Jardim. A estação já foi demolida, mas a casa de agente ainda existe,
servindo de moradia para Neli. Construída durante a administração francesa, boa
parte dos materiais usados em sua construção são importados. Neli destaca ainda
o fato de que a maioria dos políticos
da época eram salineiros, daí a importância da atividade para o município.
4- São Pedro da Aldeia
São Pedro da Aldeia surgiu a partir
da fundação em 1617 da “Aldeia de São Pedro”, pelos padres jesuítas que
construíram uma capela dentro da aldeia dos índios Goitacás, com o objetivo de
catequizá-los. Os religiosos constituíram lavouras e deram inicio ao
desenvolvimento da região. O município alcançou a emancipação apenas em 1892
(até então fazia parte de Cabo Frio), rendendo-lhe muitos anos de estagnação
econômica, como periferia de Cabo Frio e sem autonomia política.[11] Com
a emancipação, o município passou a contar com o distrito sede e o distrito de
Iguaba Grande (emancipado em 1995), ambos possuíam como principais atividades
econômicas a pesca e a extração de sal da Lagoa de Araruama.
Assim como Araruama, São Pedro da Aldeia enfrentava dificuldades em
transportar a produção de sal. Com a inauguração em 1914 do prolongamento da
Estrada de Ferro Maricá até Iguaba Grande, o transporte de mercadorias e
pessoas foi facilitado, as lavouras se desenvolveram, a produção de sal
aumentou, diversas indústrias surgiram e o comércio se desenvolveu. Segundo
Rômulo Gonçalves, morador de Iguaba Grande, junto à estação existiam armazéns,
fabrica de cal, descaroçadora de algodão, fábrica de farinha, olaria, fábrica
de cerâmica, moagem de ostra, fabrica de gelo para o transporte do pescado,
entre outras, totalizando 27 pequenas indústrias que utilizavam matéria prima
da região e transportavam sua produção através da ferrovia.
Até 1937 (ano em que foi inaugurado o prolongamento até Cabo Frio), a
estação terminal da Estrada de Ferro Maricá era Iguaba Grande, promovendo um
intenso fluxo de mercadorias e pessoas para essa estação e transformando a
região no principal entreposto comercial. Na Lagoa de Araruama, em frente à
estação de Iguaba Grande, havia um cais, para onde se estendiam as linhas da
EFM a fim de embarcar urucum, mamona, mel e sal que vinham da restinga de
massambaba através de barcos. No mesmo local, também chegavam barcos de
passageiros vindos de Cabo Frio para embarcar nos trens. Em 1922 foi construída
uma estrada de Cabo Frio para Iguaba Grande, facilitando o acesso de
passageiros à ferrovia.[12]
Ricardo Luis de Souza também é morador de Iguaba, e ressalta a
importância da ferrovia no transporte da produção dos pequenos agricultores.
Segundo ele, antes os animais eram tocados por tropas de mula até a capital,
mas com a inauguração da ferrovia, era possível levava-os através do trem para
vender em Niterói. No entanto, a suspensão do tráfego em 1962, levou muitos
agricultores a abandonar a lavoura e migrar para as cidades. Segundo Rômulo,
Iguaba Grande era um pólo agrícola e pecuário e toda a produção era
transportada através da ferrovia. Com a desativação, houve um esvaziamento do
campo devido à retirada de pequenos proprietários, que sem condições de
transportar sua produção, venderam suas terras para grandes proprietários, que
possuíam mais capital para pagar os altos preços do frete rodoviário. Muitas
terras também foram griladas e alguns pequenos agricultores foram assassinados.
Com o prolongamento da Estrada de Ferro Maricá até Cabo Frio, em 1937, o
município de São Pedro da Aldeia ganhou mais uma estação, junto ao centro da
cidade. A estação de São Pedro da Aldeia beneficiou os moradores da cidade e o comércio.
Segundo Joenir Alves de Souza, morador de São Pedro da Aldeia, a principal
mercadoria embarcada era o pescado. Diversos tipos de peixes e camarão
precisavam ser transportados, para tanto se instalou próximo à estação, uma fábrica
de gelo para conservar o pescado fresco durante a viagem até Niterói. Outra
mercadoria que era embarcada em grande quantidade na estação de São Pedro da
Aldeia era o sal. Assim como em Ponte dos Leite e Iguaba Grande a proximidade
da estação com a lagoa de Araruama, favoreceu o transporte de sal.
Jair Rodrigues de Souza é filho de um ex-funcionário da ferrovia. Para
ele o trem era “o transporte do povo” e transportava também diversos produtos
cultivados nas pequenas lavouras existentes na região, como banana, mandioca,
galinhas, pato, entre outros. Sem o trem, muitos agricultores abandonaram a
lavoura, pois o transporte se tornou extremamente difícil.
Segundo Almerindo, a ferrovia também exercia um papel importante como
difusor de informações, já que o correio, jornais e revistas também eram
transportados pelo trem. Havia um trem que saia de Cabo Frio às 7:00 horas e
chegava em Neves às 18:00 horas, um outro trem também circulava à noite e era
chamado de “Mata Sapo”, devido à grande quantidade de sapos que eram atropelados
na linha. A automotriz era uma opção mais rápida e confortável, mas foi a
pavimentação da rodovia que proporcionou maior rapidez e dinâmica ao transporte
de passageiros, por outro lado, as passagens de ônibus eram muito mais caras do
que as do trem, tornando o ônibus um transporte seletivo.
5- Cabo Frio
Cabo Frio foi uma das primeiras
áreas a serem ocupadas no território Brasileiro. Por ser uma área
geograficamente estratégica, havia profundo interesse militar dos colonizadores
em ocupar a região. Foi assim que em 1504 se instalou a primeira feitoria no
Brasil, em Cabo Frio, dando origem a um pequeno povoado. Cabo Frio se
desenvolveu e se transformou em cidade, entretanto, a região apresentava solos
impróprios ao cultivo da cana-de-açúcar, e não alcançou o mesmo desenvolvimento
econômico verificado nos outros municípios que obtiveram sucesso com o plantio
de cana. Restou a Cabo Frio a agricultura de subsistência e a pesca,
rendendo-lhe décadas de estagnação econômica.[13]
O principal elemento propulsor da economia de Cabo Frio foi o sal. A
principio, durante o período colonial, a produção de sal no Brasil era proibida
por Portugal, que mantinha a exclusividade de seu comércio, para manter seu
império produtivo e desenvolver sua indústria. Entretanto, a colônia crescia e
a demanda por sal aumentava. Nos navios portugueses, já não havia mais espaço
para o sal. Com o aumento da demanda e escassez do produto, os preços se
elevaram causando revoltas populares, e levando a Coroa Portuguesa a abolir em
1801 o monopólio do sal. Com isso, Cabo Frio ganhou destaque no cenário
econômico com a produção de sal. A Lagoa de Araruama, que por condições
naturais, favorece a produção de sal, beneficiou o município, que em 1935 já
produzia 39.417.000kg do produto.[14]
A demanda por sal aumentava, mas assim
como outros municípios da Região dos Lagos, a principal dificuldade era o
transporte. Para o transporte de sal havia ainda alguns agravantes: a sua
relação peso/volume exigia veículos grandes e fortes, e o alto poder de corrosão
reduzia em muito a vida útil dos caminhões, tornando o frete extremamente caro.
A princípio, o transporte marítimo foi fundamental para levar o sal de Cabo
Frio para o Rio de Janeiro, no entanto, o alto preço do frete e as péssimas
condições dos portos[15],
limitaram o comercio de sal durante muitos anos. Portanto, os grandes vagões de
madeira da ferrovia seriam a melhor solução para o transporte de sal.
Contudo, em 1937, foi inaugurado o
prolongamento da Estrada de Ferro Maricá até Cabo Frio, proporcionando muitos
benefícios ao município. Além do transporte de carga, a ferrovia foi
extremamente importante por realizar a integração da cidade com a capital,
através do transporte de passageiros.
A estação de Cabo Frio localizava-se junto ao porto, o que favoreceu a
consolidação daquele ponto como entreposto comercial. O sal sempre foi a
principal mercadoria embarcada naquela estação. Após muitos anos de
reivindicação, o sal de Cabo Frio finalmente ganhara uma forma de transporte
barata e eficiente.
Como podemos constatar, a Estrada de Ferro Maricá foi de extrema
importância para o transporte de pessoas e mercadorias nos municípios relacionados,
no entanto, algumas mudanças na dinâmica de transportes da região desencadearam
um processo de erradicação da ferrovia, que será mostrado a seguir.
[1] MARTINS,
1986.
[2] Espécie
de vagão feito com tábuas sobre dois eixos, sem motor, sendo preciso “remar”
com uma vara que alcançasse os dormentes para movimentar o veiculo. Geralmente
quatro funcionários “remavam” sobre o “tróler” até alcançar o local onde devia
ser feita a manutenção, carregando ferramentas e dormentes.
[3] De
acordo com o depoimento de diversos moradores de São Gonçalo e Maricá.
[4]
Funcionário encarregado de alimentar o fogo da locomotiva com carvão.
[5] LAMEGO,
1946.
[6] GIESBRECHT,
2008.
[7] LAMEGO,
1946.
[8] O
nome “Ponte dos Leite” se deve a uma ponte sobre o rio junto a propriedade da
família Leite.
[9] A
barrilha é um sal (Na2CO3 - carbonato de sódio) utilizado na indústria química,
têxtil, metalúrgica, siderúrgica, de papel e celulose, de tintas, de sabão e
detergentes e de vidros.
[10] GIESBRECHT. op. cit.
[11] LAMEGO,
1946.
[12] SILVA,
2008. p. 116.
[13] MARAFON,
2005, p. 56.
[14] LAMEGO,
1946, p. 268.
[15] Os
portos encontravam-se extremamente assoreados, impedindo a atracação de
embarcações de grande calado.