OS MUNICÍPIOS

1- Maricá

            Como citado anteriormente, Maricá possuía a sua economia voltada à produção de alimentos destinados ao abastecimento das cidades do Rio de Janeiro e Niterói. Mas as dificuldades no transporte dessas mercadorias só foram solucionadas com a construção da Estrada de Ferro. A partir daí, uma série de reflexos decorrentes da inauguração da ferrovia em 1887 puderam ser observados em Maricá. O primeiro deles foi a elevação da vila de Maricá a condição de cidade em 7 de dezembro de 1889. Posteriormente, muitas outras melhorias ainda estavam por vir.

“Só com a permanente ligação ferroviária é que esta zona poderia receber um surto renovador de idéias e iniciativas imigradas. Foi o que se deu com a Estrada de Ferro Maricá, [...] Atualmente Maricá progride. Em seu núcleo urbano elevam-se construções modernas em bons arruamentos.” (LAMEGO, 1946, p.143)

O Senhor Elson Souza e Silva, que reside na antiga casa da família localizada em frente à estação de Maricá lembra que sua família doou parte da propriedade para a construção da estação e que as viagens de trem para Niterói duravam cerca de cinco horas. As viagens de ônibus também não eram muito diferentes, já que as estradas eram de terra e os ônibus trafegavam em baixa velocidade, necessitando parar para esfriar o motor após a subida de trechos muito íngremes. Quando chovia a situação se agravava, pois era necessário colocar correntes nas rodas, já que as estradas ficavam com muita lama. Portanto, apesar dos constantes transtornos existentes no tráfego de trens durante todo o seu período de funcionamento, decorrente de atrasos, acidentes, e alguns períodos de suspensão de tráfego, o trem resultava no meio de transporte mais eficiente da cidade de Maricá que desfrutava de um enorme desenvolvimento proporcionado pela ferrovia.
Os núcleos urbanos nos arredores das estações se expandiram e novas ruas foram abertas. No entorno da estação inaugurada em 1894 no centro da cidade de Maricá surgiram diversos estabelecimentos comerciais. Heloisa Helena Rodrigues Rangel é uma antiga moradora do centro da cidade de Maricá e cita alguns dos estabelecimentos comerciais que existiam próximo a estação, entre eles, estavam armazéns, bares, restaurantes, padarias, farmácia, barbeiro, quitanda, serraria, sapataria, loja de roupas, loja de materiais de construção, cartório e uma agencia bancária.
Na própria plataforma da estação, também existiam comerciantes. Entre eles estava o Senhor Bruno, que vendia tecidos, bolsas, sapatos, carteiras, cintos, entre outros, segundo conta Heloisa, que também aproveitava a parada do trem para vender os doces e frutas colhidas na chácara de seu avô, Carlos Alberto de Abreu Rangel, as margens da estrada de ferro.
Entre as várias mercadorias que embarcavam na estação de Maricá com destino a Niterói, destacam-se o pescado, abundante na região, galinhas, banana, cana-de-açúcar, melado, leite e seus derivados e farinha de mandioca. A tabela a seguir demonstra o incremento no número de passageiros e mercadorias transportadas pela Estrada de Ferro Maricá entre os anos de 1919 e 1920, em seu trecho estadual ligando Maricá à Niterói.

Tabela : Volume transportado no trecho estadual da EFM
Ano
Passageiros
Cargas (Kg)
1919
87.935
31.850.000
1920
93.044
33.631.202
Fonte: RIO DE JANEIRO. op. cit.

Antigas chácaras, sítios e fazendas foram dando lugar a novas moradias. A facilidade de acesso promovida pela ferrovia, atraiu novos moradores, turistas e veranistas. A especulação imobiliária se intensificou a partir de 1940, transformando terras agrícolas em loteamentos. O município de Maricá começou a se transformar, de rural, para urbano. O principal fluxo de pessoas, vinha do Rio de Janeiro, que se encontrava em constante expansão, impulsionada pela indústria.[1]           
Não foi apenas a região central da cidade de Maricá que se desenvolveu. Em Inoã e em São José de Imbassaí, onde também havia estações de mesmo nome, os núcleos urbanos se desenvolveram e passaram a servir como suporte às fazendas da região, fornecendo alimentos através de seus armazéns e mão-de-obra daqueles que ali residiam. Morador de Inoã, João Quintanilha, lembra saudosista das viagens que fazia nos trens da EFM. Recorda que os trens possuíam dois vagões de primeira classe e dois de segunda classe que ficavam sempre mais próximos à locomotiva. Quando viajava nos carros de segunda classe era comum sentir em determinado momento fragmentos de carvão em brasa, que saiam da locomotiva, queimar a pele.
Em alguns trechos o trem conseguia desenvolver velocidades de cerca de 70 km/h. Mas quando era reabastecido com água, demorava a retomar o embalo, a ponto de uma pessoa andando ao lado conseguir ultrapassa-lo. Os agentes estavam sempre bem uniformizados, e eram constantemente comparados a generais. O agente de estação vendia os bilhetes e usava o telégrafo para avisar a estação seguinte que o trem estava seguindo para lá. Outro funcionário muito lembrado era o “guarda-chaves”. Ele era responsável por operar os desvios, para que um trem pudesse cruzar com outro em segurança, já que havia apenas uma linha. Em Inoã, quando era necessário que dois trens se cruzassem, um deveria entrar em um desvio, lá existente, para que o outro passasse. Também em Inoã, havia duas fábricas de tijolos que movimentavam a região, desenvolvendo ainda mais o comércio e contribuindo para aumentar o número de residências nos arredores da estação.
A concentração populacional próximo às estações, se dava não só pelo fato de estar próximo do principal meio de transporte da época, mas também pelos benefícios que a ferrovia oferecia. Entre eles, destaca-se o fornecimento de alimentos que eram trazidos pelo trem para os armazéns da região, a distribuição de água potável gratuitamente para os moradores carentes e a oportunidade de vender produtos aos passageiros. A existência da ferrovia estava tão intimamente ligada ao cotidiano dos moradores, que durante o carnaval os blocos desfilavam sobre a linha do trem.
Segundo Geraldo Bezerra de Lima, morador de Inoã, o Exército Brasileiro também utilizava o trem para realizar pesquisas e incursões na região. Afinal, a existência da Estrada de Ferro Maricá também era estratégica do ponto de vista militar, devido ao seu trajeto ao longo do litoral.
Em Manoel Ribeiro, onde foi inaugurada uma estação em 1901, localizava-se uma das principais fazendas de Maricá, empregando um enorme contingente de pessoas e desenvolvendo um pequeno núcleo urbano. Nesta localidade era produzida uma grande quantidade de laranja transportada pela ferrovia. A Senhora Maria da Glória Costa, moradora do local, ainda recorda do intenso movimento na estação, principalmente por volta do meio-dia, quando os trens se cruzavam naquela localidade, um vindo de Cabo-Frio em direção a Niterói, e outro no sentido contrário. Segundo a moradora, o armazém estava sempre lotado, mal se conseguia andar lá dentro, pois todos os moradores da região se dirigiam para lá, para comprar as mercadorias que eram trazidas pelo trem. Dali também partia todas as manhãs o “rondante”, funcionário encarregado de verificar danos na via que pudessem causar acidentes, para tanto, ele percorria a pé a linha até Nilo Peçanha, onde outro funcionário se encarregava de fazer o mesmo daquele ponto em diante.
Isabel Bastos Sardinha também foi moradora de Manoel Ribeiro e recorda de sua irmã que tinha muito medo do trem, e certa vez, quando levava uma galinha debaixo do braço e viu o trem se aproximando, largou a galinha e saiu correndo. De certa forma para pessoas acostumadas a viver toda uma vida em um lugar pacato, ouvindo sons de pássaros, e utilizando como único meio de transporte o cavalo, ver chegar um imenso “monstro” de ferro, “cuspindo” fumaça, emanando intenso calor e soando seu apito, deveria realmente ser muito impactante, talvez até assustador.
Para as crianças, o significado do trem era outro. As viagens de trem eram um dos grandes entretenimentos da época e o simples fato de ver o trem passar, já significava motivo de alegria para todas. Eloísa Rangel Rodrigues, recorda de estar junto com outros alunos do grupo escolar Elisário Mata, onde estudava, aguardando em frente a estação de Maricá a passagem do trem com o presidente Getúlio Vargas rumo a inauguração da estação Cabo Frio em 1937.
Gilmar Monteiro e seus amigos de infância, também gostavam de brincar com o “tróler”[2], veiculo usado para manutenção, que às vezes se encontrava parado em algum desvio no caminho de volta da escola. Eles subiam no “tróler”, empurravam, e muitas vezes sem conseguir pará-lo, precisavam saltar e acabavam caindo em pântanos, comuns ao longo da linha. Depois, cabia aos funcionários procurarem onde estaria o “tróler”. As brincadeiras e travessuras das crianças da época estão marcadas na lembrança dos adultos de hoje, que as recordam com saudade.
Outra grande utilidade da ferrovia era o transporte de pessoas para as festas de Nossa Senhora do Amparo que aconteciam em Maricá. Muitos moradores de São Gonçalo embarcavam nos trens da EFM em trajes impecáveis de festa, a passagem era barata, mas as viagens eram demoradas. O trem estava sempre cheio e os passageiros que embarcavam pela manhã, em São Gonçalo, com suas roupas impecáveis, chegavam apenas à tarde em Maricá e sujos devido à fuligem produzida pela queima do carvão. Para evitar essa situação alguns passageiros utilizavam uma espécie de avental chamado de “guarda-pó”.[3]
A ferrovia também empregava um expressivo número de trabalhadores. As funções mais comuns eram as de Agente de estação, Maquinista, Foguista[4] e trabalhadores de via permanente. A maior parte dos familiares de Lenita Carvalho, atual moradora de Itapeba, trabalhou na ferrovia. Seu marido era um dos que trabalhava em via permanente, substituindo trilhos e dormentes. Ela recorda que havia uma cooperativa de funcionários que vendia diversos produtos a preços abaixo do mercado, o que proporcionava grande fartura de alimentos a toda a família.

2- Saquarema

O primeiro núcleo populacional de Saquarema data de 1660. Sua população sempre esteve muito ligada à pesca, abundante na região. O primeiro surto de desenvolvimento da cidade aconteceu com o plantio de café no século XIX, mas após seu declínio, a economia se voltou novamente à pesca e a agricultura de subsistência, além da produção de alguns gêneros alimentícios destinados ao abastecimento do Rio de Janeiro e Niterói.[5]
Além da produção agrícola, a indústria açucareira colaborou para incrementar a economia da cidade durante todo o período em que a Estrada de Ferro Maricá funcionou. Isso porque, em Sampaio Correia, distrito de Saquarema, estava instalada a usina Santa Luiza, a maior usina de cana-de-açúcar da Região dos Lagos e a segunda maior do Estado do Rio de Janeiro, atrás apenas de uma, localizada em Campos. Como já foi citado anteriormente, José Matoso Sampaio Correa, dono da usina, arrendou a ferrovia em 1901, que até então ainda não chegava à usina, e ficou encarregado de construir o prolongamento da linha até Araruama. No entanto, ele não conseguiu realizar a obra, e perdeu a concessão da Estrada de Ferro Maricá em 1913.
A estação de Sampaio Correia foi inaugurada em primeiro de maio de 1913, graças à outra companhia concessionária, e se localizava junto à usina, atendendo sua demanda de transporte, e a cerca de 800 metros do principal núcleo populacional da região. A usina também construiu sua própria ferrovia para transportar a cana das plantações para a usina.[6]
A estrada de ferro não atravessava o centro da cidade de Saquarema, pois quando foi prolongada, seu principal objetivo era atingir a Lagoa de Araruama, onde toneladas de sal aguardavam pelo transporte ferroviário. Com isso, não foram constatados grandes reflexos da ferrovia no centro dessa cidade. No entanto, havia em Bacaxá, distrito de Saquarema distante cerca de 8 quilômetros do centro, uma estação de mesmo nome, que deu origem ao que, até hoje, é considerado como principal centro comercial do município.
Geni Macedo Novaes é, atualmente, moradora de Bacaxá, mas quando adolescente morava em Niterói e embarcava no trem às sete horas da manhã, chegando em Bacaxá somente às 17 horas com sua tia, para visitar parentes. Ela conta que gostava de viajar nos trens da EFM, pois sempre em algum vagão, havia passageiros com cavaquinho, violão, pandeiro, sanfona, entre outros instrumentos musicais, e as pessoas cantavam e dançavam, animando a longa viagem.
As principais mercadorias que embarcavam na estação Bacaxá eram: limão, galinhas, bois e porcos, procedentes das muitas fazendas que existiam na região. Os moradores de Saquarema utilizavam o trem para ir a Niterói ou então de lá, chegar ao Rio de Janeiro através das barcas, os que moravam próximo à estação aproveitavam a parada do trem para vender cocada, bolo de milho e arroz doce. No período em que eram realizadas as festas de Nossa Senhora de Nazaré e Santo Antônio, as duas principais igrejas da cidade, os trens vinham lotados de fiéis que desembarcavam em Bacaxá.
Quando a ferrovia foi desativada, Geni recorda que seu pai, influente político na cidade, conseguiu que o sino usado na estação para avisar a chegada do trem fosse instalado na igreja de Santo Antônio que ficava próximo a estação de Bacaxá. Além do sino, nada mais foi preservado, os trilhos foram retirados e a estação demolida.

3- Araruama

            O primeiro núcleo populacional de Araruama surgiu a partir de um pouso de tropas, as margens da lagoa de Araruama. A cidade se desenvolveu no século XIX com o plantio de café, que era transportado através de seu porto. Com o declínio das plantações de café, a população passou a se dedicar mais a agricultura de subsistência, a pesca, e a extração de sal da Lagoa de Araruama.[7]
            Foi o sal que proporcionou maior desenvolvimento econômico para o município. Na localidade de Ponte dos Leite[8], distrito de Araruama, se instalaram algumas indústrias para o beneficiamento do sal e moagem de conchas, além da fabricação de cal, gesso e barrilha[9]. Com a inauguração do prolongamento da Estrada de Ferro Maricá e da estação em Ponte dos Leite em 1914[10] as atividades industriais se intensificaram e o núcleo populacional aumentou. Segundo moradores, Ponte dos Leite possuía atividades comerciais mais intensas do que o próprio centro da cidade de Araruama.
            Helena de Oliveira é moradora de Ponte dos Leite e recorda da intensa movimentação de pessoas existente na época em que a ferrovia existia. Havia armazém, farmácia, padaria, quitanda, açougue, cinema, clube de dança e as festas da igreja de Nossa Senhora do Rosário, sempre muito animadas, atraiam grande público. O armazém vendia de tudo um pouco, funcionando como principal fonte de abastecimento da região, e fazendo com que inúmeras pessoas se deslocassem de outras localidades em busca de suas mercadorias. O movimento ferroviário associado à produção das indústrias promovia grande agitação econômica, garantindo renda aos moradores da região. Aqueles que não estavam diretamente envolvidos nessas atividades aproveitavam para vender frutas, doces e refeições para os trabalhadores, ou seja, diretamente ou indiretamente todos estavam envolvidos na atividade de extração de sal, o que proporcionava grande fonte de renda para os moradores.
            Osvaldo Francisco Marinho trabalhou carregando os vagões da ferrovia com sal, barrilha, cal e gesso. Ele lembra que naquela época sempre havia oportunidades de trabalho e ganhava-se muito dinheiro. A senhora Melentina, filha do guarda-chaves da estação de Ponte dos Leite, ainda mora no bairro e lembra que passava um trem para Niterói às 9:00 e outro para Cabo Frio as 16:00. Seu marido era funcionário da ferrovia e participou da macabra operação de retirada dos trilhos. Quando a ferrovia foi desativada na década de 1960, as indústrias também encerraram suas atividades. Sem possuir um meio de transporte eficiente e com a crescente concorrência do sal vindo do nordeste, as indústrias fecharam as portas, deixando muitos desempregados.
            No centro da cidade de Araruama, também existia uma estação. O trem transportava mercadorias e passageiros para a cidade e também era responsável pelo abastecimento de água, trazida em seus vagões. Neli Veiga Jardim era casada com o agente da estação de Araruama, Aníbal Vicente Jardim. A estação já foi demolida, mas a casa de agente ainda existe, servindo de moradia para Neli. Construída durante a administração francesa, boa parte dos materiais usados em sua construção são importados. Neli destaca ainda o fato de que a maioria dos políticos da época eram salineiros, daí a importância da atividade para o município.

4- São Pedro da Aldeia

            São Pedro da Aldeia surgiu a partir da fundação em 1617 da “Aldeia de São Pedro”, pelos padres jesuítas que construíram uma capela dentro da aldeia dos índios Goitacás, com o objetivo de catequizá-los. Os religiosos constituíram lavouras e deram inicio ao desenvolvimento da região. O município alcançou a emancipação apenas em 1892 (até então fazia parte de Cabo Frio), rendendo-lhe muitos anos de estagnação econômica, como periferia de Cabo Frio e sem autonomia política.[11] Com a emancipação, o município passou a contar com o distrito sede e o distrito de Iguaba Grande (emancipado em 1995), ambos possuíam como principais atividades econômicas a pesca e a extração de sal da Lagoa de Araruama.
Assim como Araruama, São Pedro da Aldeia enfrentava dificuldades em transportar a produção de sal. Com a inauguração em 1914 do prolongamento da Estrada de Ferro Maricá até Iguaba Grande, o transporte de mercadorias e pessoas foi facilitado, as lavouras se desenvolveram, a produção de sal aumentou, diversas indústrias surgiram e o comércio se desenvolveu. Segundo Rômulo Gonçalves, morador de Iguaba Grande, junto à estação existiam armazéns, fabrica de cal, descaroçadora de algodão, fábrica de farinha, olaria, fábrica de cerâmica, moagem de ostra, fabrica de gelo para o transporte do pescado, entre outras, totalizando 27 pequenas indústrias que utilizavam matéria prima da região e transportavam sua produção através da ferrovia.
Até 1937 (ano em que foi inaugurado o prolongamento até Cabo Frio), a estação terminal da Estrada de Ferro Maricá era Iguaba Grande, promovendo um intenso fluxo de mercadorias e pessoas para essa estação e transformando a região no principal entreposto comercial. Na Lagoa de Araruama, em frente à estação de Iguaba Grande, havia um cais, para onde se estendiam as linhas da EFM a fim de embarcar urucum, mamona, mel e sal que vinham da restinga de massambaba através de barcos. No mesmo local, também chegavam barcos de passageiros vindos de Cabo Frio para embarcar nos trens. Em 1922 foi construída uma estrada de Cabo Frio para Iguaba Grande, facilitando o acesso de passageiros à ferrovia.[12]
Ricardo Luis de Souza também é morador de Iguaba, e ressalta a importância da ferrovia no transporte da produção dos pequenos agricultores. Segundo ele, antes os animais eram tocados por tropas de mula até a capital, mas com a inauguração da ferrovia, era possível levava-os através do trem para vender em Niterói. No entanto, a suspensão do tráfego em 1962, levou muitos agricultores a abandonar a lavoura e migrar para as cidades. Segundo Rômulo, Iguaba Grande era um pólo agrícola e pecuário e toda a produção era transportada através da ferrovia. Com a desativação, houve um esvaziamento do campo devido à retirada de pequenos proprietários, que sem condições de transportar sua produção, venderam suas terras para grandes proprietários, que possuíam mais capital para pagar os altos preços do frete rodoviário. Muitas terras também foram griladas e alguns pequenos agricultores foram assassinados.
Com o prolongamento da Estrada de Ferro Maricá até Cabo Frio, em 1937, o município de São Pedro da Aldeia ganhou mais uma estação, junto ao centro da cidade. A estação de São Pedro da Aldeia beneficiou os moradores da cidade e o comércio. Segundo Joenir Alves de Souza, morador de São Pedro da Aldeia, a principal mercadoria embarcada era o pescado. Diversos tipos de peixes e camarão precisavam ser transportados, para tanto se instalou próximo à estação, uma fábrica de gelo para conservar o pescado fresco durante a viagem até Niterói. Outra mercadoria que era embarcada em grande quantidade na estação de São Pedro da Aldeia era o sal. Assim como em Ponte dos Leite e Iguaba Grande a proximidade da estação com a lagoa de Araruama, favoreceu o transporte de sal.
Jair Rodrigues de Souza é filho de um ex-funcionário da ferrovia. Para ele o trem era “o transporte do povo” e transportava também diversos produtos cultivados nas pequenas lavouras existentes na região, como banana, mandioca, galinhas, pato, entre outros. Sem o trem, muitos agricultores abandonaram a lavoura, pois o transporte se tornou extremamente difícil.
Segundo Almerindo, a ferrovia também exercia um papel importante como difusor de informações, já que o correio, jornais e revistas também eram transportados pelo trem. Havia um trem que saia de Cabo Frio às 7:00 horas e chegava em Neves às 18:00 horas, um outro trem também circulava à noite e era chamado de “Mata Sapo”, devido à grande quantidade de sapos que eram atropelados na linha. A automotriz era uma opção mais rápida e confortável, mas foi a pavimentação da rodovia que proporcionou maior rapidez e dinâmica ao transporte de passageiros, por outro lado, as passagens de ônibus eram muito mais caras do que as do trem, tornando o ônibus um transporte seletivo.


5- Cabo Frio

            Cabo Frio foi uma das primeiras áreas a serem ocupadas no território Brasileiro. Por ser uma área geograficamente estratégica, havia profundo interesse militar dos colonizadores em ocupar a região. Foi assim que em 1504 se instalou a primeira feitoria no Brasil, em Cabo Frio, dando origem a um pequeno povoado. Cabo Frio se desenvolveu e se transformou em cidade, entretanto, a região apresentava solos impróprios ao cultivo da cana-de-açúcar, e não alcançou o mesmo desenvolvimento econômico verificado nos outros municípios que obtiveram sucesso com o plantio de cana. Restou a Cabo Frio a agricultura de subsistência e a pesca, rendendo-lhe décadas de estagnação econômica.[13]
O principal elemento propulsor da economia de Cabo Frio foi o sal. A principio, durante o período colonial, a produção de sal no Brasil era proibida por Portugal, que mantinha a exclusividade de seu comércio, para manter seu império produtivo e desenvolver sua indústria. Entretanto, a colônia crescia e a demanda por sal aumentava. Nos navios portugueses, já não havia mais espaço para o sal. Com o aumento da demanda e escassez do produto, os preços se elevaram causando revoltas populares, e levando a Coroa Portuguesa a abolir em 1801 o monopólio do sal. Com isso, Cabo Frio ganhou destaque no cenário econômico com a produção de sal. A Lagoa de Araruama, que por condições naturais, favorece a produção de sal, beneficiou o município, que em 1935 já produzia 39.417.000kg do produto.[14]
            A demanda por sal aumentava, mas assim como outros municípios da Região dos Lagos, a principal dificuldade era o transporte. Para o transporte de sal havia ainda alguns agravantes: a sua relação peso/volume exigia veículos grandes e fortes, e o alto poder de corrosão reduzia em muito a vida útil dos caminhões, tornando o frete extremamente caro. A princípio, o transporte marítimo foi fundamental para levar o sal de Cabo Frio para o Rio de Janeiro, no entanto, o alto preço do frete e as péssimas condições dos portos[15], limitaram o comercio de sal durante muitos anos. Portanto, os grandes vagões de madeira da ferrovia seriam a melhor solução para o transporte de sal.
            Contudo, em 1937, foi inaugurado o prolongamento da Estrada de Ferro Maricá até Cabo Frio, proporcionando muitos benefícios ao município. Além do transporte de carga, a ferrovia foi extremamente importante por realizar a integração da cidade com a capital, através do transporte de passageiros.
A estação de Cabo Frio localizava-se junto ao porto, o que favoreceu a consolidação daquele ponto como entreposto comercial. O sal sempre foi a principal mercadoria embarcada naquela estação. Após muitos anos de reivindicação, o sal de Cabo Frio finalmente ganhara uma forma de transporte barata e eficiente.
Como podemos constatar, a Estrada de Ferro Maricá foi de extrema importância para o transporte de pessoas e mercadorias nos municípios relacionados, no entanto, algumas mudanças na dinâmica de transportes da região desencadearam um processo de erradicação da ferrovia, que será mostrado a seguir.




[1] MARTINS, 1986.
[2] Espécie de vagão feito com tábuas sobre dois eixos, sem motor, sendo preciso “remar” com uma vara que alcançasse os dormentes para movimentar o veiculo. Geralmente quatro funcionários “remavam” sobre o “tróler” até alcançar o local onde devia ser feita a manutenção, carregando ferramentas e dormentes.
[3] De acordo com o depoimento de diversos moradores de São Gonçalo e Maricá.
[4] Funcionário encarregado de alimentar o fogo da locomotiva com carvão.
[5] LAMEGO, 1946.
[6] GIESBRECHT, 2008.
[7] LAMEGO, 1946.
[8] O nome “Ponte dos Leite” se deve a uma ponte sobre o rio junto a propriedade da família Leite.
[9] A barrilha é um sal (Na2CO3 - carbonato de sódio) utilizado na indústria química, têxtil, metalúrgica, siderúrgica, de papel e celulose, de tintas, de sabão e detergentes e de vidros.
[10] GIESBRECHT. op. cit.
[11] LAMEGO, 1946.
[12] SILVA, 2008. p. 116.
[13] MARAFON, 2005, p. 56.
[14] LAMEGO, 1946,  p. 268.
[15] Os portos encontravam-se extremamente assoreados, impedindo a atracação de embarcações de grande calado.